"....A PSP emitiu um comunicado sobre os factos ocorridos no dia 20 de agosto, através do qual alega que teria sido surpreendida pela ocorrência de vários confrontos, atos de vandalismo e furtos no Centro Comercial Vasco da Gama em Lisboa, imputando responsabilidades a um grupo de cerca de 600 pessoas que ali se concentrava.
Este comunicado acolheu eco fácil na comunicação social: pouco tempo depois, alguma imprensa já falava num grupo de 800 pessoas e numa invasão ao Centro Comercial – o "caos" só não foi possível, graças à intervenção da PSP. Os telejornais abriram com a notícia da "vaga de delinquentes" que tomou de assalto o Centro Comercial e logo se seguiu a comparação a fenómenos do género, com destaque para o Brasil, país recorrentemente citado no que toca a notícias deste tipo. Paralelamente, multiplicaram-se os comentários racistas nas redes sociais e sites de informação.
Um dia depois desta paranoia, somos confrontados com as declarações do Diretor do Centro Comercial, que afirma não ter ocorrido qualquer ato de vandalismo ou furtos dentro daquele espaço, e com os múltiplos depoimentos de quem esteve presente e que relatou a violência completamente despropositada da PSP.
Recolhendo estes depoimentos, sabemos agora que no local terá ocorrido uma rixa entre um grupo de pessoas, da qual resultou um ferido, e que um telemóvel terá sido furtado; e que no exterior e no interior do Centro Comercial se encontravam milhares de pessoas.
Não será, por certo, facto inédito: o local é normalmente frequentado por milhares de pessoas, sobretudo nos dias de eventos no Meo Arena ou de jogos de futebol. E acreditamos também que não tenha sido a primeira vez que um telemóvel tenha sido furtado ou que se tenham verificadas discussões, mesmo com feridos – serão, como é normal, casos de polícia.
O que podemos apontar como relevante neste caso, é o facto da concentração de jovens negros no local ter originado uma ação tão musculada da polícia.
Perante uma rixa entre meia dúzia de pessoas, a PSP entendeu abordar o episódio de forma diferente, varrendo literalmente o Centro Comercial, montando um aparato anormal e, pelo que podemos ver pelos vídeos que circulam nas redes sociais, impedindo todos aqueles que não fossem brancos de entrar no Vasco da Gama.
Há 9 anos atrás, uma actuação e um comunicado da PSP do mesmo tipo levou a que fosse criado o mito do "Arrastão de Carcavelos", amplamente noticiado pela imprensa, mas que na verdade era falso.
Motivo? Mais uma vez, o de estarem concentrados jovens negros num mesmo local.
Os acontecimentos do Vasco da Gama são mais uma evidência do racismo flagrante na atuação das forças de segurança em geral e, neste caso em particular, da PSP. São inúmeras as situações de aglomerados de jovens por todo o país, em particular em período de férias de verão, são vários os furtos em espaços públicos e muitas as discussões e altercações que não ocasionam nunca nenhuma intervenção policial tão violenta como aquela ocorrida no Centro Comercial Vasco da Gama. E portanto, a única diferença deste caso residiu na cor da pele dos jovens que ali se encontravam.
Na verdade, as perguntas que a actuação da PSP levanta são imensas e estão inscritas na impunidade do racismo institucional e da violência e abuso de poder que grassa entre as forças de segurança. Mesmo que houvesse alguma situação envolvendo meia dúzia de jovens, o que leva a polícia a generalizar tais factos para os outros que ali por perto se encontravam, apenas por serem negros? O que leva a PSP a mobilizar meios de intervenção especiais, apenas por existir uma concentração de jovens negros no local? O que leva a PSP a impedir a mobilidade de jovens e a utilizar a força, só por serem negros?
Tais comportamentos não são admissíveis num Estado de Direito, como não é admissível que a PSP plante falsas noticias na imprensa, criando pânico e alarme social para justificar a sua actuação desproporcional e violadora dos princípios básicos de igualdade.
O SOS Racismo desafia a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial a tomar uma posição pública de repúdio e condenação da atuação da PSP.
O SOS Racismo não aceitará nenhuma explicação circunstancial sobre os motivos que fundamentaram uma actuação tão gravosa da PSP e violadora da lei. O SOS Racismo condena a atuação desproporcional e de violência racista e exige ao Ministério da Administração Interna que apure todas as responsabilidades, agindo em conformidade, punindo severamente os responsáveis por forma a que não se volte a repetir semelhante actuação...."
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