"....Faltam cinco minutos para as onze horas da noite. Paulo de Carvalho, "E Depois do Adeus"...
Foi assim, há quarenta anos, que João Paulo Dinis difundia a primeira "senha" do Movimento das Forças Armadas, na Alfabeta/Rádio Peninsular e Rádio Voz de Lisboa, que transmitia em Onda Média e Frequência Modelada através dos Emissores Associados de Lisboa, antena pela qual transmitiam também, em rotatividade o Clube Radiofónico de Portugal e a Rádio Graça.
Consta que a primeira escolha não teria sido a canção do Paulo de Carvalho, mas na altura, na Rádio era preciso "fintar" qualquer suspeita do censor, um qualquer major na reserva, cujas decisões eram tomadas em função do estado da sua disposição e por isso, decidiu-se não arriscar uma mensagem mais declarada.
A escolha do João Paulo Dinis para a transmissão da primeira senha, foi uma escolha pessoal de Otelo Saraiva de Carvalho. Tinham-se conhecido em África,
na Guerra Colonial e as coisas foram combinadas a pretexto de uns discos que tinham chegado de Inglaterra e importava ouvir pelo brado que iriam dar.
Em completo contraste com a bolorenta Rádio Graça e com o cinzentismo, nem sempre assumido, do Clube Radiofónico de Portugal, a Alfabeta era a mais esclarecida e menos "alinhada" dos Emissores Associados de Lisboa. Seguia o modelo de Rádio, na altura inovador, com que o Rádio Clube Português tinha agitado o éter, com noticiários curtos de hora a hora com dois ou três minutos e muita música nova, grande parte importada, mas sem esquecer o que de bom se produzia por cá e nem sempre o censor deixava passar.
Era uma quarta-feira. A Alfabeta já tinha cumprido o seu primeiro período de emissão, entre as 11 e as 14.30 e estava na altura, no desempenho do segundo período de trabalho, entre as 22 e as 2. Estava praticamente a meio o programa "Quatro Tempos" (entre as 22 e as 24), que se transmitia em direto dos estúdios da Alfabeta, na Rua Elias Garcia, nº 162- 7º andar.
Uma arreliadora avaria no emissor, prontamente reparada, deixou o major Costa Martins, que tinha a seu cargo a monitorização da senha à beira de um ataque de nervos, pegando na sua arma e abandonando o Mini, na Avenida de Roma. Foi, a sua então namorada, que aos pulos e com exuberante alegria o alcançou metros à frente, para lhe dizer que o sinal tinha sido transmitido. Conta-se até que na altura ia a passar um guarda noturno que a advertiu: "...Menina, olhe que deixou a porta do carro aberta..."
À mesma hora, em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, o então tenente Andrade da Silva, depois de escutar a "senha" invadia o gabinete do comandante da sua unidade e dava-lhe ordem de prisão. Foi a primeira unidade a entrar em ação no Movimento dos Capitães. Com o comandante detido seguiram depois para o Cristo Rei, onde a sua missão era vigiar o Tejo (onde estiveram sempre prontos para afundar a fragata que poderia abrir fogo sobre as tropas de Salgueiro Maia, que ocuparam o Terreiro do Paço), mas também para vigiar e bombardear, se tal fosse necessário Monsanto, para onde se previa o Regime se refugiasse e ainda para controlar o acesso pelo Sul, no que tinham ordens expressas para impedir o acesso das tropas de Pinheiro de Azevedo, que não estava, declaradamente, com o Movimento das Forças Armadas.
Do outro lado, em Santarém, na Escola Prática de Cavalaria, Salgueiro Maia também estava atento à emissão dos Emissores Associados de Lisboa. Após escutar a senha acordada, mandava reunir os homens na parada para iniciar a viagem para Lisboa.
Estava em marcha o Movimento das Forças Armadas, que haveria de por fim a uma longa noite fascista que já durava, em Portugal há 48 anos.
Já de madrugada, no programa "Limite" da Rádio Renascensa seria transmitida a segunda senha, a Grândola, do Zeca Afonso. Era para sair dos quartéis e assim se
fez...
Odivelas, 24 de Abril de 2014 (23.55). Exatamente, 40 Anos depois.
LFS
Foto: João Paulo Dinis
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