terça-feira, 18 de junho de 2013

Pessoa e Ofélia. Cartas de um amor que "não podia dar certo"

"Todas as cartas de amor são ridículas, não seriam cartas de amor se não fossem ridículas". O conhecido poema é de Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, o poeta cuja correspondência amorosa com Ofélia Queiroz é agora integralmente revelada em livro. Um casal brasileiro comprou num leilão em Londres parte das missivas trocadas entre Pessoa e Ofélia. O espólio foi tratado e está agora editado.

Era numa caixa de bombons que Fernando Pessoa lhe ofereceu que Ofélia Queiroz guardava as cartas que o poeta lhe escrevia. Já Pessoa mantinha as cartas, os postais e os bilhetes de Ofélia numa pasta preta.

Algumas destas missivas de um dos namoros mais míticos da história da literatura portuguesa já tinham sido publicadas, mas agora, graças ao casal brasileiro Pedro e Bia Corrêa do Lago, são conhecidas na integra.

Pedro explica que foi em Londres num leilão, em 2002, 11 anos após a morte de Ofélia que compraram as cartas, 155 delas inéditas que agora são publicadas.

No livro agora editado ficamos a saber que Ofélia escrevia mais a Fernando Pessoa, do que o poeta a ela. A namorada de Pessoa chega mesmo a dizer-lhe: "Escreva, sim? Se quer que eu lhe faça uma festinha, caso contrário dou-lhe um beliscão, por não poder dar-lhe uma dentada..."

Detalhes de um namoro que não acabou bem, explica Bia Corrêa do Lago, filha do escritor brasileiro Rubem Fonseca. "No começo, Pessoa está encantando com ela: novinha, bonitinha, simpática, no escritório.  E ele se encanta, trocam beijinhos, bilhetinhos mas, aos poucos, ele vai percebendo que ela é uma moça comum, apesar de ser inteligente, ter muito humor, mas ela é uma moça do seu tempo. Ela quer casar, quer ter filhos, quer ter uma vida comum, igual à das amigas, das vizinhas e o Pessoa é ao contrário, ele não quer ser comum, não quer ser vulgar e não quer nada igual aos outros, ele quer o contrário. Diz que tem uma missão. Se há alguém que é único é ele, com os heterónimos. Então realmente um casal de uma moça híper-comum, com um rapaz híper-estranho, híper-único, não podia dar certo", diz Bia Corrêa do Lago.    

Apesar disso, ler estas 348 cartas transcritas é como ler um romance, com todos os ingredientes, até os mais pessoais.
               
Com organização de Richard Zenith, especialista em Fernando Pessoa, este livro que revela a "correspondência amorosa completa" é também um retrato da Lisboa dos anos 20.

Numa das cartas, Fernando Pessoa diz: "Não sei escrever cartas grandes. Escrevo tanto por obrigação e por maldição, que chego a ter horror a escrever para qualquer fim útil ou agradável". Os desabafos que encontramos neste livro, explica Pedro Corrêa do Lago, tornam o poeta mais humano.

A Ofélia, Fernando Pessoa pediu que nunca dissesse a ninguém que namoraram. Sobre a relação, Ofélia apenas dizia que morreu no dia em que Pessoa partiu. Mas o atribulado namoro nunca foi apenas uma relação a dois, os heterónimos de Fernando Pessoa também estavam presentes. "É a parte mais original da relação deles, porque ela entra nesse jogo", diz Pedro Corrêa do Lago.

"Ela diz: 'olha Fernandinho, não fiquei nada satisfeita por você levar o engenheiro Álvaro de Campos, ontem, ao nosso encontro. Eu gostaria que, na próxima vez, você não o trouxesse", acrescenta Bia Corrêa do Lago, que conta que Ofélia, em desespero por não receber cartas de Fernando Pessoa, chegou a escrever para o heterónimo Álvaro de Campos.

"Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz" é publicado pela editora brasileira Capivara e inclui um prefácio do ensaísta Eduardo Lourenço.



JG

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