segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Opinião Cruzeiro: O desenvolvimento pela Paz: «Uma criança, um professor, uma caneta e um livro»

O desenvolvimento pela Paz: «Uma criança, um professor, uma caneta e um livro»

 

O Prémio Nobel da Paz de 2014 foi atribuído à paquistanesa Malala Yousafzai e ao indiano Kailash Satyarthi.


 

Malala Yousafzai, anteriormente galardoada com o Prémio Sakarov (do Parlamento Europeu), é a pessoa mais nova a receber um Prémio Nobel da Paz. Malala é uma defensora do acesso das mulheres à educação, algo que, na região do Paquistão onde nasceu e cresceu, não é possível devido à constante acção dos fundamentalistas. Tal, quase que lhe custou a vida num atentado.

Kailash Satyarthi, originário da Índia onde, desde os 26 anos de idade, tem conseguido salvar crianças de fábricas indianas. Actualmente, é uma das pessoas que está na linha da frente contra o trabalho infantil.

 

De alguma forma esta atribuição do Nobel da Paz de 2014 tem algo de bizarro, pois coloca ao mesmo nível dois seres humanos que estariam fadados para serem oponentes. Uma paquistanesa, o outro indiano. Uma muçulmana, o outro hindu. O mais bizarro nesta feliz coincidência é verificar que nenhum deles foi educado sob as premissas culturais do decálogo (“Não matarás!”) e do mandamento cristão: «amai-vos uns aos outros, como Eu vos amo», mas ambos são activistas da não-violência.

 

Curiosamente, já Mahatma Gandhi havia espantado o ocidente quando identificou as raízes da não-violência, na Bíblia Sagrada. Estranho, ou nem por isso, é verificar que alguém que foi educado fora do dito espaço cultural cristão, afirma os fundamentos da não-violência no cristianismo, contudo aqueles que se dizem de formação cristã parecem tal desconhecer.

 

A não-violência é a renúncia a toda a intenção de morte ou dano ocasionado pela violência (“Não matarás!”). Esta doutrina pacifista é o contrário de egoísmo. Representa o altruísmo, o amor absoluto, a praxis recta.

 

Desengane-se quem confunde não-violência com passividade. A não-violência tendo como meio e como meta a Paz, é acutilante para com o mal e suas perversidades. A não-violência implica o respeito pelas ideias alheias, por a todas as religiões, escolas, seitas, organizações etc.

 

A não-violência, como instrumento activo da Paz, visa a construção pela conciliação, sem imposições e sem vencedores. Pretende convencer (com vencer, vencer em conjunto) ao invés de simplesmente vencer (vencer só, vencer egoísta).

 

Neste sentido, mui me apraz verificar que o Prémio Nobel da Paz voltou a ser atribuído a pacifistas. A verdade é que há muito que este galardão, por determinações políticas perniciosas cai com frequência nas mãos de guerreiros, cujas mãos estão sujas do sangue de muitos inocentes. Já tivemos de tudo, desde aqueles que receberam o prémio sem nada fazer, a não ser criar expectativas e desonrarem a matriz deste, ao iniciarem ataques militares na manhã do dia seguinte. Houve galardão para aqueles que sempre vimos de pistola no coldre ou de arma em punho. Outros, autênticos senhores da guerra, ousaram candidatar-se. Disparates a mais.

 

No entanto, por força da mediatização à volta desta, é com Malala que é recuperada a chama dos grandes pacifistas da história. Ela recorda-nos que a essência animal em nós confinada, só poderá deixar de influenciar o nosso comportamento quando for totalmente controlada pela razão. É a condição racional do ser humano que deve emergir, suprimindo actos animalescos e desprovidos de racionalidade, como a guerra, a purga étnica, a exploração dos desprovidos, a opressão ideológica, o fanatismo infundado e o egoísmo, para que dêem lugar à Paz.

 

Foi a Paz que escolhemos após a II Grande Guerra. A Europa construiu um ambicioso e salutar projecto comum, cuja grandeza do seu futuro será inversamente proporcional ao dos egoísmos pessoais e nacionais.

 

E como dar lugar à razão, em detrimento do grotesco/animal?

Como ocidentais, há muito que sabemos a resposta: «amai-vos uns aos outros, como Eu vos amo», Jesus Cristo.

 

E como operacionalizaremos tal desiderato?

«Uma criança, um professor, uma caneta e um livro», Malala Yousafzai

22/Outubro/2014

Politólogo

 

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