A Fleuma dos Heróis
Confesso que quando, recentemente, aqui trouxe a reflexão relativa ao Prémio Nobel da Paz de 2014 atribuído à paquistanesa Malala Yousafzai e ao indiano Kailash Satyarthi, não revelei a importância que este assunto tem para mim e creio deverá ter sobre todos nós.
Estranhamente a minha geração, os nados em 60 e 70, perdeu-se na adoração aos “Rambos” e outros carniceiros, uns de origem hollywoodesca, outros mais reais. Estranho porque a geração que nos antecedeu, viveu simultaneamente o dramatismo e a obscuridade da II Guerra Mundial e o período em que emergiram verdadeiros heróis. Os heróis da Paz! O que terá falhado para tanto idolatrarmos o Mal e seus agentes e desprezarmos o Bem?
Foi com especial gozo, carinho e alegria que hoje mesmo um amigo me recordou um desses heróis da II Guerra Mundial, Sir Nicholas Winton. Este herói que tudo fez para, em franca humildade, se manter no anonimato, mas que o acaso deu a conhecer. A verdade é que ele foi responsável pela salvação de 669 crianças das mãos assassinas dos Nazis. | ||
Nós próprios, portugueses, nesse tenebroso período tivemos um destes heróis, o Cônsul Aristides de Sousa Mendes, que Salazar, a nossa encarnação do Mal, fez morrer na miséria por ter ousado o Bem, mas que amiúde por nós tem sido dotado ao esquecimento. | ||
É na Europa cristã, da coesão, do Estado Social que se fundou o projecto europeu, mais tarde transformado em União Europeia. Nessa Europa destroçada por dois conflitos de escala mundial, a desconfiança e a competição de tentação imperialista rendeu-se à partilha de valores e de recursos. Essa Europa firmou-se, não em figuras como Adolfo Hitler, Estaline, Mussolini, Franco ou Salazar, para não citar outros, mas em cidadãos com a força, a garra, a humildade, os valores humanistas, como as demonstradas por Sir Nicholas Winton e pelo Cônsul Aristides de Sousa Mendes.
Porque teimamos em negar o inevitável? O caminho tem de ser o da Paz. A Paz alcança-se por coesão, por amor ao próximo, não por disputas, nem imposições. Eventualmente competirá aos portugueses, mais uma vez superarem-se e darem outro passo em frente na História. Ao invés de nos vangloriarmos com as correrias de F16’s e Mig’s, mais valia darmos sentido e honrarmos o que de bom foi inscrito nos anais da História pelos nossos egrégios avós.
Tudo isto ganha outra dimensão, quando num mês como o que agora começa, em que por tradição se homenageiam os odivelenses que por um motivo ou outro deram à comunidade um reconhecido contributo, se desconhece e por tal se faz, mesmo que inadvertidamente, esquecer, aqueles que neste território, no seu tempo e com os seus recursos combateram o bom combate da Paz. Refiro-me à ALOOC (Associação Livre dos Objectores e Objectoras de Consciência), que desde a sua criação até há bem pouco tempo, teve a sua sede mesmo no seio de Odivelas. |
Da acção desta associação surgiram contributos para que a Constituição e diversas leis ordinárias consagrassem direitos invioláveis para nós portugueses, dos quais fomos percursores, dos quais destaco a liberdade e igualdade religiosa, a objecção de consciência perante o serviço militar e o fim da obrigatoriedade de cumprimento deste último.
Ignorar esta presença e este capital humano que aqui se fundou e a partir daqui agiu, é negar-nos a nós, mais uma vez, o Bem. Não posso terminar sem a par da ALOOC, exaltar esse pacifista português, percursor da educação para a Paz neste país, pai desta associação, pai destes feitos, pai deste escritor, o herói Júlio da Silva e Sousa!
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