Para alguém educado em ambiente de matriz cristã, o decálogo é sem dúvida muito mais do que um mero normativo pois assume-se como bitola cultural e moral. É indubitável que a leitura reduzida do decálogo nos remete para dois domínios, o do respeito ascético e o do respeito pelo próximo/outro.
É o 5.º Mandamento que nos obriga sem margem, sem excepções, ao respeito máximo pelos outros quando, sem apelo nem complicações e da forma mais simples que se pode legislar impõe: “Não Matarás!”
Simples, não?
A grande referência legislativa ocidental, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro de 1948, no seu artigo 3.º dispõe que: «Todo o indivíduo tem direito à vida». Aqui, o paradigma muda, pois centra-se no direito individual da vida em detrimento da salvaguarda da vida de outrem.
Ainda assim, a Constituição da República Portuguesa consegue, mesmo recorrendo a extensão textual maior, ser mais feliz, pois descentra o conceito do indivíduo e, em abstracto, pretende garantir o direito à vida, dispondo no seu art.º 24.º, que:
« 1. A vida humana é inviolável.
2. Em caso algum haverá pena de morte.»
Aqui chegados, fica claro que aquilo que amiúde apelidamos de civilização ocidental, procura o primado da vida, rejeitando concomitantemente aceitar a morte como possível nas relações humanas.
Parece assim, que o primado da vida é o valor maior da nossa cultura. Mas, quando abro os livros da História vejo matanças e a exaltação dos matadores de momento (especialmente os que foram considerados vencedores, os Heróis carniceiros). Os filmes, as séries infantis e juvenis de sucesso a que acedemos incluem uma boa dose de pancadaria, tiros, mortos e “Heróis de Acção”. Se abro os jornais ou os telejornais o que é notícia? A morte.
A matança rodeia-nos com o seu cheiro pérfido e pútrido que parece enamorar-nos e, em simultâneo, dá-nos repulsa.
Temos de decidir se insistiremos nesta cultura de morte, seguida da indulgência das nossas consciências, assente em valores como o primado da vida, que parece pertencer ao nosso quadro de crenças, mas que somos incapazes de praticar em pleno.
Esta dualidade é perigosa, pois amiúde nos tem pregado partidas que nos têm saído bem caras ao longo da História e da história das nossas vidas. Desde a chamada violência doméstica à violência de massas, a escolha é ampla.
Nos 70 anos de libertação do complexo de campos de extermínio nazi, conhecidos por Auschwitz, recordo que o ignorar deste preceito sagrado “Não Matarás!”, muito por conta da associação a um conjunto de outras desvalorizações humanísticas, assentes em ideais que romperam com a religião (Re-ligação) a Deus, a Alá, a um plano ascético, levaram aqueles homens “superiores” a cometer uma barbárie indescritível sobre outros seres humanos. |
É tão simples! Não Matarás! Não tem nada de complicado.
Associado ao “Não Matarás!” vêm outros deveres, como a necessidade de agregarmos interesses, vontades, diferenças e ao invés de impormos um status, deveremos fazer aquilo que filosoficamente Kant apelidou de síntese. A síntese, resulta da fusão da tese com a sua antítese, não da anulação dos menos bem equipados de argumentos.
Se procurarmos o concerto, procuraremos aquilo que em gestão se chamam solução do tipo “win-win” e aí nunca nos veremos na condição extrema de considerarmos que a solução possível é do tipo “win-loose” ou “loose-loose” onde só encontraremos a “Solução Final” e essa só se faz por recurso ao extermínio (mais ou menos permanente), à eliminação, à Morte!
Apartemo-nos pois desta cultura de morte nos seus aspectos mais imediatos e até lúdicos e edifiquemo-nos em Paz e em Concerto.
Dá trabalho!? Certamente!
É impossível, dirão uns! É utópico, dirão outros! Albert Einstein preconizou que «o impossível existe até quando alguém duvide dele e prove o contrário». Não muito diferente do que nos deixou Max Weber quando afirmou que «o homem não teria alcançado o possível se, repetidas vezes, não tivesse tentado o impossível».
É certo que a Paz e o Concerto exige tempo e o hábito de pensar e procurar o Bem para si e para o seu semelhante, sendo certo que, como defendia Henry Ford, «pensar é o trabalho mais difícil que existe. Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele». Pois, esforcemo-nos!
28/Janeiro/2015
Paulo Bernardo e Sousa
Politólogo
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